Disponibilização: Sexta-feira, 4 de Fevereiro de 2011
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano IV - Edição 886
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mercado brasileiro. Com o CDC, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na terminologia de Antonio Herman Benjamin,
isto é, de que não haja um defeito na prestação do serviço e conseqüente acidente de consumo danoso à segurança do
consumidor-destinatário final do serviço, é verdadeiro dever imperativo de qualidade (arts. 22, 24 e 25 do CDC), que expande
para alcançar todos os que estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CDC, impondo a solidariedade de todos os
fornecedores na cadeia, inclusive aqueles que a organizam, os servidores diretos e os indiretos (parágrafo único do art. 7º do
CDC) “. De acordo com o laudo pericial, a menor Ariana Maria de Lima, portadora de anemia falciforme, foi atendida na instituição
que figura no pólo passivo da lide em 20 de Setembro de 2000, tendo sido submetida a exame de radiografia de tórax e
medicada com antitérmico. Posteriormente foi liberada, com orientação para que procurasse um hematologista. A genitora da
paciente não teria conseguido localizar o hematologista, retornando então às dependências do réu. Como a menor continuava
com febre, foi internada para avaliação e tratamento com diagnóstico inicial de pneumonia. Medicada e afebril, a menor foi
liberada em 25 de Setembro de 2000, prescrevendo-se a utilização do antibiótico Keflex. Em 29 de Setembro de 2000 a menor
retornou ao hospital com vômitos e febre, tendo sido novamente internada, desta vez com quadro de anemia e infecção pulmonar.
No dia seguinte lhe foi indicada transfusão de sangue. Ocorre que o sangue não estava sendo encontrado e, após a realização
de testes para verificação da possibilidade de utilização de material não totalmente compatível, optou-se por aguardar o
fornecimento de unidades de sangue do mesmo tipo. A transfusão somente foi efetuada por volta das 20h do dia 1º de Outubro
de 2000. Com a piora do quadro, a menor foi encaminhada para a unidade de terapia intensiva, tendo sido constatada, no dia 02
de Outubro de 2000, a ocorrência de crise hemolítica pós transfusional. Foram administradas mais duas bolsas de sangue,
tendo a paciente evoluído com icterícia progressiva, hipotensão e edema generalizado. Entretanto, às 5h do dia 04 de Outubro
de 2000 foi constatado o óbito da menor, ocasionado pelo quadro de septicemia (“infecção generalizada que culmina com
falência dos múltiplos órgãos, caso não haja resposta ao tratamento com antibióticos”). Analisando os dados clínicos e outros
informes, o auxiliar do Juízo ponderou que a menor “foi tratada corretamente em todas as vezes em que foi atendida”,
obtemperando que a transfusão sanguínea foi indicada sempre que necessária, não tendo sido efetuada prontamente pela
dificuldade em encontrar sangue compatível nos respectivos bancos. Em resposta aos questionamentos formulados, o expert
judicial negou que a profissional responsável pelo primeiro atendimento da paciente no hospital tenha sido negligente ao liberála (não consta dos autos prova bastante apta a evidenciar que houve deficiência no atendimento inicial e que diante do resultado
da avaliação a que foi submetida a paciente, inclusive através de exame de RX do tórax, era recomendável sua permanência no
hospital, o que supostamente teria obstaculizado a evolução do quadro), consignando que o agravamento do quadro de saúde
da paciente foi motivado pela baixa resistência “de que era possuidora em função da anemia falciforme que a acometia”e pela
agressividade da infecção. Não obstante tenha admitido certa demora na realização das transfusões de sangue, o vistor judicial
foi categórico ao informar que o quadro da menor era gravíssimo, sendo impossível garantir que a rápida administração de
sangue bastaria para salvar-lhe a vida. Importante frisar que nada há nos autos a infirmar a conclusão pericial, a qual, por estar
ancorada em conhecimentos técnicos especializados - necessários para o devido equacionamento da lide - constitui importante
subsídio para a formação do convencimento judicial em hipóteses como a dos autos. À vista desse panorama e considerando
que não se logrou demonstrar eventual falha (apta a no mínimo gerar a piora do quadro) por parte dos profissionais vinculados
ao réu no que tange ao tratamento dispensado, sendo impossível atribuir à instituição hospitalar eventual responsabilidade pela
dificuldade na localização de bolsas de sangue compatíveis com o tipo sanguíneo da paciente , ocasionada pelas particularidades
do caso e pela natural limitação dos estoques de sangue, fato este que é constantemente noticiado pela mídia, havendo inclusive
campanhas para estimular as pessoas à doação de sangue, é impossível, ainda que lamentável a situação, o acolhimento da
pretensão inaugural. Nessa linha já se pronunciou a jurisprudência: “APELAÇÃO CÍVEL . RESPONSABILIDADE CIVIL .
INDENIZAÇÃO . DANOS MORAIS E MATERIAIS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PELA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR .
INFECÇÃO HOSPITALAR . LESÃO NEUROLÓGICA . AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE . PERÍCIA CONCLUSIVA . NÃO
COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR . DENUNCIAÇÃO DA LIDE . PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE
PROCESSUAL. DESCABIMENTO DO RECURSO EM RELAÇÃO AOS LITISDENUNCIADOS EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO NAS RAZÕES RECURSAIS . IMPOSSIBILIDADE . CDC . APLICABILIDADE . RECURSO IMPROVIDO. 01É cediço serem as instituições hospitalares prestadoras de serviço, submetendo-se aos preceitos do CDC, entretanto, só há
falar em responsabilidade civil objetiva em casos de comprovação de falha na prestação do serviço pela instituição hospitalar”
(TJMG - Processo nº 1.0024.02.829610-1/001(1) - Rel. Des. Alberto Henrique - j. 28/02/08). No mesmo diapasão, embora
tratando de hipótese um pouco distinta: “INDENIZATÓRIA - ERRO MÉDICO - PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL - CONSIDERAÇÃO
DO TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO A PARTIR DO EVENTO DANOSO - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 178, §10, VI E 1.525,
DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E ARTIGO 1º DO DECRETO 20.910/32 - EXTINÇÃO DO FEITO- RECURSO DA MUNICIPALIDADE
PARCIALMENTE PROVIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL - ERRO MÉDICO - PACIENTE PROVENIENTE DE PRONTO
SOCORRO MUNICIPAL TRANSFERIDO PARA A UTI DA ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR DE BAURU - IRREVERSIBILIDADE DO
QUADRO CLÍNICO - DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA DO PRIMEIRO NOSOCÔMIO - AUSÊNCIA DE
NEXO CAUSAL ENTRE A AÇÃO DOS MÉDICOS E O RESULTADO - AÇÃO IMPROCEDENTE - APELO DA ASSOCIAÇÃO
HOSPITALAR PROVIDO” (TJSP - Apelação nº 994.08.152593-8 - 13ª Câmara de Direito Público - Relator(a): Ferraz de Arruda
- j. 28/04/10). Ante todo o exposto e com fulcro no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente a ação,
resolvendo o mérito da lide. No mais, declaro prejudicada a lide secundária , julgando-a extinta sem apreciação do mérito com
amparo no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil (perda superveniente do interesse processual). Em razão da sucumbência,
arcarão os autores com as custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, que ora são arbitrados em
R$10.000,00, importância que reputo adequada diante da natureza e complexidade da causa, da atuação dos profissionais que
representaram o réu e da razoável duração do processo (artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil). A execução de tais
verbas, porém, ficará suspensa na forma do artigo 12 da Lei 1.060/50. Por não se tratar de hipótese de denunciação dita
obrigatória, imponho ao réu o ônus de arcar com as custas e despesas processuais desembolsadas pela litisdenunciada, sem
prejuízo de honorários advocatícios em favor de seu(s) patrono(s), que são arbitrados em R$2.000,00, patamar compatível com
o trabalho desenvolvido pelo(s) profissional(s). Confira-se, sobre o tema, o seguinte precedente: “Seguro de veículo. Ação
regressiva. Culpa dos réus não evidenciada. Inobservância da regra estampada, no artigo 333, I, do CPC. Ação improcedente.
Denunciação da. lide. Honorários advocatícios. Ônus dirigido ao denunciante. Sentença mantida. Apelação e recurso adesivo
não providos” (TJSP - Apelação com Revisão nº 992050150234 - 27ª Câmara do D. Quarto Grupo do Extinto 2º TAC - Relator:
Marcelo do Amaral Perino - j. 02/03/07). P.R.I. Santo André, 10 de Janeiro de 2011. Gustavo Sampaio Correia Juiz de Direito
custas de preparo : R$ 33.072,00 - porte de remessa e retorno: R$ 50,00 - ADV ALAU COSTA OAB/SP 95152 - ADV MARIA
HELENA MUSACHIO OAB/SP 63857 - ADV ODILON MANOEL RIBEIRO OAB/SP 252670 - ADV MIRTES TIEKO SHIRAISHI
OAB/SP 91823 - ADV ROSEMARI DE LOURDES REMES MATTIUZ OAB/SP 35211 - ADV EDUARDO BORGHI MARCONDES
AMARAL FILHO OAB/SP 221606 - ADV JESSE SOARES CARDOSO OAB/SP 106419 - ADV CLAUDIO VALHERI LOBATO OAB/
SP 84736
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º